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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Vamos tocar fogo!

07/09/2009 - 07h30
Vamos tocar fogo!
De uma reportagem publicada na Folha de São Paulo, domingo, 30/8.

Em uma escola na periferia da zona sul de São Paulo, mais de 2.000 alunos gritam ao mesmo tempo que querem ser dispensados para assistir ao jogo de futebol. Não são atendidos e colocam fogo em carteiras 
Qual o espanto? Esses retardados, semi-analfabetos e ignorantes que chutam bolas, são, diuturnamente – a cada milésimo de segundo - tratados como deuses na terra , no ar e no mar. Há muitas, muitas décadas. Basta abrir uma página qualquer na Internet, ir até a banca de revistas, a qualquer hora do dia ou da noite, e eles estarão em todos os compartimentos, becos, esquinas, nas saunas finlandesas e nos grotões mais miseráveis: espetados nos televisores 24 horas ad infinitum, nas padarias e nos bares, nos pontos de táxi e nos shoppings, nos corações dos meus amigos fanáticos e nos intestinos dos meus dedicados inimigos, em todos os lugares, onipresentes, repercutindo imagens belíssimas, golaços, construções literárias geniais mas, sobretudo, repercutindo a idade média modorrenta que virou isso tudo, dando “exemplos de superação”e garantindo o salário de muito picareta de mesa redonda, cobrando escanteios, comendo as loiras e/ou ostentando suas cajafestices como troféus; sendo que, os mais sacanas e os mais bem
pagos, ainda cobram dízimos para suas Igrejas e ganham milhões não apenas nos gramados, mas faturam também com a “ boa imagem”, todos eles, os feios e os bonitos, trabalham pouco e se divertem muito;e a Fátima Bernardes, a grande mãezona do Brasil, os trata como se fossem seus filhos, só falta sacar as tetas e dar de mamar, e aí, o que acontece?

Vem um jornal que é obrigado(?) a colaborar ostensivamente com essa mazela (hoje é segunda-feira, ontem teve mais uma rodada do “brasileirão”, vejam quais são as manchetes desse mesmo jornal) e  veicula uma reportagem “indignada” dizendo que alunos de uma escola da periferia preferem o futebol às aulas.
Fogo em carteiras? Só isso? Me admiro que os alunos não tenham feito bolas com os escalpos do corpo docente.  Qual a queixa? Os alunos –  da próxima vez vai ser bem pior... anotem – nem extirparam as vísceras dos professores. Nem lhes quebraram os joelhos. Ora, não houve nenhuma empalação? O que é que esses meninos estão aprendendo na escola?

No colégio de classe média na zona norte, um aluno de 12 anos diz à professora que é ele quem paga o salário dela e que deve fazer tudo o que ele quer (FSP,30/8)
Ué? Não são esses os ensinamentos da Xuxa, a maior educadora do país?  Não entendo. Qual a reclamação? Todos sabemos que Sacha, filha da Xuxa – como os alunos desse colégio de classe média da zona norte -  foi alfabetizada em dois idiomas, logo tem o duplo direito de exigir o que bem quiser. Inclusive o direito de ser uma mini-analfabeta bilíngüe, arrogante e chiliquenta: igualzinho a santa mamãe. Igualzinho suas amiguinhas.
Onde já se viu não atender as patroazinhas, elas têm que gravar a próxima “sena”. Ora, essas crianças não têm tempo a perder. Será que essa gentalha (professores?) nunca ouviu falar em business? O “Xou” não pode parar!
Agora, pensando bem, o procedimento correto, caso essas professoras rebeldes insistam em não atender as estrelinhas que lhes pagam os salários – altíssimos salários, imagino ... – o ideal mesmo seria processá-las. Aí sim, essa corja entenderia, finalmente, qual é o seu lugar e com quem está se metendo.
      
Perto do parque Ibirapuera, a professora é avisada pela coordenadora de que um dos seus alunos foi mal na prova, mas não pode ser reprovado porque há um laudo atestando que sofre de déficit de atenção (FSP,30/8).
Também existem laudos que garantem que o fumante ativo é um câncer ambulante, o filho da puta atemporal, um amaldiçoado pela própria natureza - e ninguém há de ser louco de contestar os laudos do dr. Mengele, digo, dr.Drauzio. Né? Quem é que vai dizer o contrário?
E nós, que sofremos déficit de atenção e somos fumantes passivos e vigilantes do bem-estar e da auto-estima, juramos perante dr.Varella que renderemos incondicional obediência aos laudos e ao próximo  Führer que o politicamente correto cagar em nossas cabeças, não seremos reprovados em hipótese alguma, ainda que, para isso, tenhamos que – nem tão distraidamente... – fechar os bares e calar a boca daqueles que se atreverem a corrigir nossas provas bimestrais. Heil!  

            
A lousa está repleta depois da aula de português. O adolescente não copia uma sentença: basta pegar o celular e registrar tudo com a câmera. O episódio foi no colégio Santa Maria, zona sul. Não houve broncas.
"A tecnologia é matéria-prima, objeto de estudo. Não posso dizer que não presta ou proibir", explica Elizabeth Fantauzzi, 47, responsável por disciplinas como web design e fotografia digital (FSP, 30/8).
               
A mesmíssima tecnologia, aliás, que facilita a vida dos pedófilos. De todos os ângulos e chupando pirulitinho colorido, o design e a fotografia digital, afinal de contas, são instrumentos que existem para facilitar a vida das pessoas. Ora, ora. Trata-se de um avanço tecnológico. Seria a mesma coisa que proibir os celulares nos presídios. Quanta insensatez. Se não for fumante, vai proibir por quê? 

Depois de uma discussão com um aluno, a professora Silvia Bárbara, 49, coloca o estudante de 16 anos para fora da sala de aula. Ele sai, mas a xinga de "puta". A coordenadora da escola explica que o mau comportamento se deve a uma troca de medicamentos. A professora vive esbarrando em diagnósticos de déficit de atenção.
Segundo a psicóloga da Unicamp Cecília Collares, que estuda a "patologização da educação", o fenômeno causa reação em cadeia. Os pais reagem como se fosse uma fatalidade, a escola se isenta, e o professor se vê desvalorizado (FSP,30/8).
Se o professor se vê desvalorizado, imaginem os pais atenciosos, os médicos que receitam antidepressivos para essas crianças, o abnegado diretor da escola e – o pior -  imaginem como é que as apresentadoras de televisão e as putas se vêem nessa história. O que fazer?
Ora, vamos tocar fogo nessa porra de escola! Que merda,  o futebol vai começar!

*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp?cod_publicacao=29632&cod_canal=14

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