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sábado, 13 de novembro de 2010

O que é a economia e por que estudá-la

(A economia) é universalmente válida e absoluta e simplesmente humana.
- Ludwig von Mises, na obra Ação Humana.
Quando nos aproximamos, pela primeira vez, de uma ciência que queremos conhecer, surge a pergunta: "Que é que ela estuda?" Outra maneira de tratar a questão é indagar: "Que pressupostos básicos esta ciência traz consigo para a sua investigação do mundo?" Num primeiro passo, ao lidar com um novo assunto, você geralmente tenta fazer uma idéia do que ele trata. Antes de comprar um livro de biologia, toma a resolução de que irá ler sobre organismos viventes; no início de um curso de química, adquire a certeza de que irá estudar os modos pelos quais a matéria se combina em diferentes formas.
Muitos pensam, de modo geral, estar familiarizados com a economia. Entretanto, se você perguntar por aí, verá que as pessoas têm dificuldade em definir a disciplina. "É o estudo do dinheiro", talvez lhe digam. "Tem a ver com negócios, lucro e perda, e assim por diante", outro afirmará. "Não, ela trata de como a sociedade escolhe distribuir a riqueza", argumentará outra pessoa. "Nada disso! É a busca por padrões matemáticos que descrevem o movimento de preços", teimará uma quarta. O professor Israel Kirzner assinala, em The Economic Point of View, que até mesmo entre economistas profissionais há "uma série de formulações do ponto de vista econômico que são assombrosas em sua variedade."
A razão primária dessa confusão é que a economia é uma das mais jovens ciências conhecidas pelo homem. Certamente que houve uma proliferação de novos ramos das ciências atuais, nos séculos que se passaram desde que a economia se tornou reconhecida como disciplina à parte; mas a biologia molecular, por exemplo, é uma divisão da biologia, não uma ciência inteiramente nova.
A economia, no entanto, é diferente. A existência de uma ciência econômica própria pode ser rastreada até a descoberta de que há uma previsível regularidade na interação das pessoas em sociedade, e que essa ordem veio à luz sem que tivesse sido planejada por ninguém.
A intuição desta regularidade, que se destaca tanto da regularidade mecânica do universo físico quanto dos planos traçados por um indivíduo qualquer, foi o primeiro surgimento da idéia de ordem espontânea na consciência científica do Ocidente. Antes do advento da economia como ciência, simplesmente se supunha que, caso encontrássemos ordem nas coisas, estas deveriam ter sido ordenadas por alguém - por Deus, em se tratando das leis físicas, e por certos indivíduos, em se tratando de objetos fabricados pelo homem e de instituições.
Os primeiros filósofos políticos propuseram diversos esquemas para organizar a sociedade humana. Se o plano falhava, seu criador geralmente dava por certo que os governantes ou os cidadãos não tinham sido virtuosos o suficiente para o pôr em prática. Não lhe ocorria, a esse planejador, que o plano contradissesse leis universais da ação humana e que, portanto, não pudesse dar certo, não importa quão virtuosos fossem os participantes.
O progresso da liberdade humana que teve início na Europa, durante a Idade Média, e que culminou na Revolução Industrial, expôs uma terrível lacuna no esquema de conhecimento então vigente. Cada vez mais, a sociedade européia ocidental estava deixando de ser explicitamente ordenada pelo comando de um soberano. Uma a uma, iam caindo as restrições à produção. O ingresso nas profissões deixou de ser estritamente controlado por uma guilda; ainda assim, de algum modo parecia haver aproximadamente o número certo de carpinteiros, ferreiros, pedreiros, e assim por diante. Não mais se requeria licença real para que alguém passasse a fazer parte duma linha de produção; no entanto, ainda que qualquer pessoa pudesse abrir uma cervejaria, o mundo não estava mergulhado em cerveja; uma vez mais, a quantidade fabricada se mostrava bem perto da necessária. Mesmo sem ninguém para elaborar um plano mestre para as importações de uma cidade, a variedade de bens que nela aportava parecia cerca da correta. No século XIX, o economista francês Frédéric Bastiat comentou a respeito da mágica desse fenômeno, exclamando: "Paris é abastecida!" A economia não criou tal regularidade, nem mesmo precisa encarar a tarefa de provar que ela existe - vemo-la à nossa frente todos os dias -, mas precisa, isso sim, explicar como a mesma regularidade acontece.
Muitos estudiosos contribuíram com o despertar da compreensão de que a economia era um novo modo de olhar para a sociedade. As origens da ciência econômica se estendem ainda mais no passado do que comumente se pensa, com certeza até pelo menos ao século quinze, época do trabalho realizado pelos Escolásticos Tardios na Universidade de Salamanca, na Espanha, o que mais tarde motivou Joseph Schumpeter a lhes conferir o título de primeiros economistas.
Adam Smith pode muito bem não ter sido o primeiro economista, como por vezes é chamado; porém, mais do que qualquer outro filósofo social, ele popularizou a noção de que os seres humanos, deixados livres para perseguirem seus próprios objetivos, promoveriam uma ordem social que nenhum deles havia conscientemente planejado. Como ele celebremente escreveu n'A Riqueza das Nações, o homem livre age como se "guiado por uma mão invisível para promover um fim que não fazia parte de sua intenção."
Em sua magnum opus, Ação Humana, o economista austríaco Ludwig von Mises escreveu que essa descoberta deixou as pessoas tomadas de:
estupefação, [pois descobriram] que existe outro aspecto, diferente do bom e do mau, do justo e do injusto, segundo o qual a ação humana podia ser considerada. Na ocorrência de fenômenos sociais prevalecem regularidades às quais o homem tem de ajustar suas ações, se deseja ser bem-sucedido.
Mises assim descreveu as dificuldades iniciais em determinar a natureza da economia:
"Na nova ciência, tudo parecia problemático. Ela era uma intrusa no sistema tradicional de conhecimento; as pessoas estavam perplexas e não sabiam como classificá-la nem como designar o seu lugar. Por outro lado, estavam convencidas de que a inclusão da economia no sistema de conhecimento não necessitava de uma reorganização ou expansão do programa existente. Consideravam completo o seu sistema de conhecimento. Se a economia não cabia nele, a culpa só podia estar no tratamento insatisfatório aplicado pelos economistas aos seus problemas." (Ação Humana)
O sentimento de estupefação para muitas pessoas logo foi substituído pelo de frustração. Elas tinham idéias para reformar a sociedade, e agora descobriam, plantada no meio do caminho, a incipiente ciência da economia. Esta lhes advertia, a esses reformadores, que alguns planos para a organização social falhariam, qualquer fosse a perícia com que seriam executados, por violarem leis básicas da interação humana.
Interrompidos em seus percursos, em razão dos feitos dos primeiros economistas, alguns desses reformadores, como Karl Marx, tentaram invalidar a disciplina como um todo. Os economistas, redargüia Marx, estavam apenas descrevendo a sociedade tal como a haviam encontrado sob dominação dos capitalistas; não há verdades econômicas que se apliquem a todos os homens em todos os tempos e lugares; mais especificamente, as leis formuladas pela escola clássica, por escritores como Smith, Thomas Malthus e David Ricardo, não se aplicarão àqueles que viverem na futura utopia socialista. Diziam os marxistas que, de fato, esses pensadores não passavam de apologistas da exploração das massas pela minoria abastada; os economistas clássicos eram, para dizê-lo ao estilo dos marxistas chineses, lacaios dos porcos imperialistas fazedores de guerra.
Em tal medida Marx e semelhantes pensadores sucederam no objetivo de minar as bases da economia, que a fragilidade destes fundamentos se evidenciou. Pois se os economistas clássicos haviam descoberto de fato muitas verdades econômicas, também se deixaram contaminar, em suas teorias, por certas inconsistências, por exemplo, a incapacidade de formular uma teoria de valor que fosse coerente. (Trataremos adiante mais detalhadamente desta dificuldade em particular.)
Foi Mises quem, baseando-se no trabalho de economistas austríacos que vieram antes dele (como Carl Menger), finalmente reconstruiu a economia "sobre o sólido fundamento de uma teoria geral da ação humana."
Pode ser importante, para determinados propósitos, diferenciarmos entre a ciência geral da ação humana, que Mises denominava praxeologia, e a economia enquanto ramo da ciência que lida com as trocas monetárias. Contudo, uma vez que o termo praxeologia não seja de uso corrente, e não seja importante, num livro introdutório, traçar uma demarcação rígida entre a economia e o resto da praxeologia, usarei o termo economiapara me referir à ciência da ação humana, como um todo. O próprio Mises frequentemente assim o emprega: "A economia... é a teoria de toda ação humana, a ciência geral das imutáveis categorias da ação e do seu funcionamento em quaisquer condições imagináveis sob as quais o homem age" (Ação Humana).
O que Mises entende por "ação humana"? Deixemo-lo falar:
"Ação humana é comportamento propositado. Também podemos dizer: ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições do meio ambiente; é o ajustamento consciente ao estado do universo que lhe determina a vida." (Ação Humana)
Numa linha parecida, o filósofo britânico Michael Oakeshott descreveu a ação humana como a tentativa de substituir o que é pelo que deve ser, aos olhos daquele que age.
A fonte da ação humana é o descontentamento, ou, caso você prefira considerar o copo como estando metade cheio, a idéia de que a vida pode ser melhor do que é no presente. Julga-se "o que é" como algo insuficiente. Pois se nos contentarmos com o jeito como as coisas estão neste momento, perderemos a motivação para agir (qualquer ato só poderia torná-las piores!). Mas tão logo nos damos conta de algo, em nosso mundo, que consideramos ser menos que satisfatório, ergue-se a possibilidade de agir com vistas a remediar tal situação.
Por exemplo, você se espicha numa rede, perfeitamente satisfeito com o mundo, tudo o mais seguindo o curso natural das coisas, quando o seu repouso é perturbado por um zumbido. Ocorre-lhe que você se sentiria muito mais à vontade se o som cessasse; em outras palavras, é capaz de pressentir condições mais propícias. Neste caso, você está experimentando o primeiro componente da ação humana, o descontentamento.
Somente o descontentamento, todavia, não é suficiente para agirmos. Antes de tudo, você precisa entender acausa desse mal-estar. Ah, claro, o barulho; e, no entanto, não basta meramente desejarmos que desapareçam os ruídos. Precisamos descobrir o que está causando o barulho. Para agirmos, necessitamos entender que cada causa é o efeito de alguma outra causa; temos de ser capazes de seguir uma cadeia de causa e efeito até atingirmos um ponto em que percebemos que a nossa intervenção, a nossa ação romperá a cadeia e extinguirá o nosso descontentamento. Há que enxergar um plano onde nos possamos mover do que é ao que deve ser.
Se o zunido vem de um avião que o sobrevoa, você não irá agir. (A menos que a sua casa esteja equipada com um canhão antiaéreo, nada há que você possa fazer em relação ao avião.) Você precisa crer que a sua ação pode causar um efeito no mundo. Para agir, simplesmente, não é essencial que você esteja correto em sua crença! O homem primitivo muitas vezes acreditou que representar determinados ritos pudesse melhorar o meio em que vivia, talvez trazendo chuva durante a estiagem ou quem sabe fazendo com que se multiplicassem as manadas que ele caçava. Até onde sei, esses truques não funcionavam; a crença de que funcionariam, porém, era o bastante para levar as pessoas a agirem de acordo com eles.
Ora, você olha ao redor para achar a causa do barulho e depara com um mosquito. Talvez você possa fazer algo em relação ao zumbido - pode esmagar o mosquitinho. Você está estudando uma finalidade, no caso, a de se livrar do mosquito; percebe que alcançá-la lhe trará um benefício - o ruído acabará, e você poderá descansar sossegado.
Logo, você poderia se levantar e matar o mosquito. Mas algo diferente também lhe passa pela cabeça: simplesmente ficar à toa, deitado na rede. Tem agora de travar uma luta corpo-a-corpo com outro componente da ação humana: precisa fazer uma escolha. É óbvio que seria uma beleza se livrar do mosquito - mas para tanto você terá de se levantar. Uma maçada. A vantagem que você espera obter em se safando do mosquito se dará sob custo de levantar-se. Se o benefício da ação supera o custo, mais ganhará você com o agir.
Embora frequentemente usemos ganho para nos referirmos ao benefício monetário, o termo possui também sentido mais amplo, como na frase: "Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?" Ora, todas as ações que levamos a cabo, seja a compra de ações ou o retiro numa montanha para meditarmos, fazemo-las de olho no ganho, nesse sentido psíquico. Conforme indica a citação acima, se nos decidimos a levar uma vida santa na pobreza, é porque esperamos que o resultado final nos seja mais proveitoso que o preço de nos entregarmos à busca das riquezas do mundo: esperamos lucrar com a escolha.
As escolhas implicam levarmos em conta os meios necessários para alcançarmos os nossos objetivos. Eu não me importaria de ser o homem mais forte do mundo, mas, se considero esse propósito, sou obrigado a ter em mente, também, o que deveria fazer para realizá-lo. Precisaria ter acesso a equipamentos de musculação, comprar suplementos alimentares, bem como passar muitas horas, todos os dias, fazendo exercícios. Em nosso mundo, nada do que desejamos aparece simplesmente por ação do desejo. Muitas coisas que queremos, até mesmo algumas de que necessitamos para viver, só podem ser obtidas com dispêndio de tempo e esforço. Equipamentos de musculação não caem do céu (graças a Deus!), e, se perco horas e horas por dia levantando peso, não tenho como usar essas mesmas horas escrevendo um livro ou brincando com os meus filhos.
Para o homem mortal, o tempo é, entre todos, o bem mais escasso. Até mesmo para Bill Gates, o tempo se acha em pequeno estoque. Mesmo que Gates possa, numa mesma manhã, custear o fretamento de jatinhos particulares para Aruba e para o Taiti, ainda assim não poderá voar para ambos os lugares simultaneamente! Ser humano é saber que os nossos dias na terra estão contados, e que é mister escolhermos como usá-los. Porque vivemos num mundo de escassez, o uso dos meios para atingir um fim envolve custos; para mim, o preço de consumir o meu tempo levantando pesos é determinado pelo quanto valorizo as outras maneiras com as quais eu poderia gastá-lo.
Para a economia, o valor dos objetivos particulares que podemos mirar é subjetivo. Ninguém no mundo poderá me dizer se uma hora despendida no levantamento de pesos é mais ou menos valiosa, para mim, do que uma hora empregada no escrever. Tampouco existe uma maneira de medir objetivamente a diferença na minha valoração destas atividades. Ninguém inventou um "valorímetro". Expressões como "Aquele jantar foi duas vezes melhor que o de ontem à noite" são meramente figuras de linguagem, que não encerram uma verdadeira capacidade de medir a satisfação; o modo de comprová-lo, como notou Murray Rothbard, é perguntar: "Duas vezes o quê?". Pois bem, nós nem sequer dispomos de uma unidade com que possamos medir a satisfação.
A natureza subjetiva do valor foi um dos principais insights de Carl Menger. O valor, para os economistas clássicos, constituía um paradoxo. Intentaram basear sua teoria de valor, através de alguma medida objetiva, no trabalho envolvido na produção de um bem ou na utilidade desse mesmo bem. Considere, porém, o simples caso de um diamante encontrado, durante um passeio, jogado no chão: trabalho algum foi necessário para produzir a jóia, nem se trata de algo mais útil, ao menos no que toca diretamente à manutenção da vida, do que um copo d'água. Menger cortou o nó górdio ao fundamentar a sua teoria de valor neste fato singelo: os objetos são valiosos porque os agentes humanos os têm nessa conta.
A economia austríaca não se dá ao trabalho de julgar se é sábia ou não a nossa escolha de objetivos a serem buscados; não nos diz se estamos errados ao valorizarmos certa quantidade de horas de lazer mais que determinada soma de dinheiro; não concebe o homem como criatura meramente preocupada com o ganho monetário. Nada há de "não-econômico" no fato de alguém doar uma fortuna ou abrir mão de um trabalho muito bem remunerado para se tornar monge.
A questão de haver ou não valores objetivos não interessa à economia. Uma vez mais, não se deve aqui entender que a economia austríaca é hostil a qualquer religião ou sistema de ética. Eu pessoalmente sei de economistas austríacos que são católicos, ateus, judeus ortodoxos, budistas, objetivistas, protestantes e agnósticos, e, caso conhecesse eu mais economistas, não tenho dúvidas de que poderia mencionar muçulmanos, hinduístas, e outros. A economia deveria, muito apropriadamente, deixar a comparação dos valores a cargo da ética, da religião e da filosofia; a nossa ciência não é uma teoria de tudo, mas tão somente uma teoria das conseqüências da escolha. Quando a estudamos, tomamos os objetivos humanos como um dado fundamental: por alguma razão, as pessoas escolhem certos fins e agem com vistas neles. O objetivo da nossa ciência é explorar as implicações desses fatos.
Mises afirmou na introdução a Ação Humana:
"Toda decisão humana representa uma escolha. Ao fazer sua escolha, o homem escolhe não apenas entre diversos bens materiais e serviços. Todos os valores humanos são oferecidos para opção. Todos os fins e todos os meios, tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e o básico, o nobre e o ignóbil são ordenados numa seqüência e submetidos a uma decisão que escolhe um e rejeita outro. Nada daquilo que os homens desejam obter ou querem evitar fica fora dessa ordenação numa escala única de gradação e de preferência. A moderna teoria de valor estende o horizonte científico e amplia o campo dos estudos econômicos."


Trecho do primeiro capítulo do livro Economics for Real People.

Tradução: Davi James Dias
Gene Callahan é um scholar adjunto do Ludwig von Mises Institute, formado na London School of Economics. É o autor de Economics for Real People.

Publicado no site do Instituto Ludwig Von Mises Brasil.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ver como é, não como nos dizem

via Observar e absorver de Observar e absorver em 27/10/10

É preciso dar o nome devido às coisas. A forma de falar acaba criando condições mentais propícias a análises tendenciosas. Erramos o caminho do pensamento e ficamos a dar voltas, sem achar a saída.

Quando olhamos o panorama da sociedade, vemos que a “elite dirigente” formal, apresentada como o “poder”, não é o que parece ser. Observando seu comportamento, sem nos deixar enganar pela mídia, percebemos que o poder real, atual e atuante, está bem acima dessa elite, no escuro das empresas de comunicações e do aparelho do Estado. A verdadeira elite dirigente não é eleita pelo voto, ao contrário, elege seus subordinados e, através deles, indica outros subordinados para os cargos chave, dentro da administração estatal. Considera seu o que é de todos, monopoliza a atenção e os privilégios que o Estado pode lhes oferecer. Dispõem das verbas públicas com a naturalidade de quem usa o que é seu, por direito de nascimento ou conquista financeira.

A chamada “elite dirigente” não passa, na verdade, de uma elite de gerentes. Vê-los abanando o rabinho para mega-empresários e representantes de gigantes transnacionais é uma bofetada na cara do cidadão.



Andamos pelas ruas recebendo multidões de recados, explícitos e subliminares, dizendo que nos amam, fazem tudo pelo nosso bem estar, que essa é a maior razão de sua existência, tudo "especialmente para você", com sorrisos, gestos, cores, imagens e sons sedutores, acenando com possibilidades de destaque e consideração social, prêmios por se deixar convencer e desejar o que oferecem. Tudo com o único objetivo de nos fazer consumir o que não precisamos. Para vincular a felicidade ao consumo.

Se entramos num "chópim" a coisa se torna ridícula, absurda, caricata, uma ofensa à inteligência. Mas de tal maneira bem elaborada, de tal amplitude e profundidade é o trabalho de condicionamento cotidiano neste sentido, que se pode ver nos olhos das pessoas o brilho da avidez, da necessidade de comprar, de ter, de consumir. Tornam-se fanáticas pelo consumo. Produzem angústias profundas, amargam tristes frustrações, obtêm efêmeras alegrias, superficiais demais para sanar a insatisfação do espírito humano.

“A massa sustenta a marca. A marca sustenta a mídia. E a mídia controla a massa.”
                                                                                                                                                                      George Orwell

A marca controla o Estado, eu poderia dizer. Mas fica despersonalizado. Os donos das mega-empresas, os grupos de empresários mais ricos, donos de terras, de indústrias, são esses os que mandam, controlam, criam valores, distorcem a realidade, interferem no ensino, nas decisões do Estado em qualquer das suas instâncias. Atacam populações, comunidades, etnias, tudo o que esteja no caminho dos lucros absurdos a que se acostumaram.

Se a minha visão é simplista, é porque a realidade é simples assim. Claro que virão acadêmicos laureados, especialistas, analistas, com uma linguagem rebuscada, provando que a coisa é muito mais complexa, não é bem assim, e mais isso e aquilo. Mas eles não me enganam. A sociedade é essa barbárie, na vida da maioria (alguns privilegiados nem acreditam nisso), por uma questão de egoísmo, orgulho, soberba de uma minoria que não alcançou, ainda, o patamar humano. E também por um minucioso trabalho de ignorantização, nas escolas, e de idiotização, pela mídia, que é acolhido, assimilado e exercido pela grande maioria, que inclui os mais sacaneados da coletividade desarmada de instrução, informação e senso crítico, desarmada de cidadania.

Todos temos nossas responsabilidades, ninguém está isento. Mesmo os mais engajados, os mais ferrenhos lutadores por mudanças reais na estrutura social. A diferença destes é que exercem sua responsabilidade humana, cada um à sua maneira, como o professor que dá tudo de si no ensino e na formação de seus alunos, mesmo sabendo que a estrutura de ensino não permite um grau aceitável de assimilação. Como o médico que atende com amor, mesmo em condições de trabalho horríveis.

Eu, de minha parte, ponho tudo o que posso no meu trabalho. Consumo só o que me é realmente necessário. Nem entro em chópincenter, que aquilo é um insulto à minha humanidade. E duvido de tudo que a mídia diz – falou mal, deve ser bom, falou bem, deve ser mau.

Eduardo Marinho, 16/10/10              

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Explicando o livre mercado para um ignorante econômico

Fonte: http://antiforodesaopaulo.blogspot.com/2010/01/explicando-o-livre-mercado-para-um.html

Explicando o livre mercado para um ignorante econômico

N. do T: o artigo a seguir apresenta aquela que talvez seja a melhor e mais clara explicação sobre o que é realmente o livre mercado - esse arranjo econômico tão vilipendiado e deturpado pelo establishment acadêmico e midiático, não obstante ambos não tenham a mínima ideia do que ele seja.

Todos nós já nos deparamos, ao navegar pela internet, com algumas postagens de blog completamente ignaras. Na maioria das vezes, você simplesmente ignora o ignorante. Afinal, você poderia passar o resto da sua vida corrigindo esses robôs automatizados que são incapazes de apresentar algum pensamento original ou inconvencional não importa o quanto você os estume. Todas as bobagens que o professor da sétima série os ensinou continuam absolutamente intactas em suas mentes.
Entretanto, ocasionalmente, para o bem da sua própria consciência e para o bem daqueles leitores que suspeitam que toda a ladainha está errada, mas que não sabem exatamente onde está o erro, você vai à forra e solta uma resposta completa. E é isso que estou fazendo aqui em resposta a um tópico chamado "Peter Schiff: Os Usuários do Medicare [espécie de seguro-saúde financiado pelo governo dos EUA] São Preguiçosos que se Recusam a Pagar Pela Própria Saúde"
Este artigo é um pouco mais longo do que os meus artigos tradicionais, mas espero não testar demasiadamente a paciência do leitor. Em negrito estão as palavras do autor da postagem, que se identifica a si próprio, curiosamente, simplesmente como "Che".
iCheSmall.jpgAqui vamos nós.
Adoro quando economistas de direita falam sobre "forças de mercado" e "deixar o livre mercado gerir a economia." Eles fazem parecer como se o livre mercado fosse algum ser altruísta que sempre sabe exatamente o que fazer e quando fazer.
Eu não conheço ninguém que endosse essa caricatura típica de ginasial. Em primeiro lugar, nenhum economista pró-livre mercado é idiota o suficiente para usar uma frase como "deixar o livre mercado gerir a economia." O livre mercado é simplesmente uma matriz onde os indivíduos praticam trocas livres e voluntárias. Como pode uma matriz onde há essa liberdade de trocas "gerir" alguma coisa?
Segundo, nenhum economista pró-livre mercado crê que o mercado "sempre sabe exatamente o que fazer e quando fazer". Se esse fosse o caso, como esses economistas iriam explicar o fenômeno das falências empresariais?
O verdadeiro argumento defendido pelos economistas pró-livre mercado é que, no livre mercado, as decisões relativas a (1) o que produzir, (2) em quais quantidades, (3) utilizando quais métodos e (4) em quais locais, são tomadas visando satisfazer às mais urgentes demandas dos consumidores. As empresas, desde que operando em ambiente concorrencial, descobrem rapidamente o que os consumidores querem e o que eles não querem - e elas ajustam suas decisões de produção em conformidade com esses desejos manifestados pelos consumidores.
Quando uma determinada indústria aufere lucros, isso significa que ela está utilizando seus fatores de produção de uma maneira que agrada aos consumidores. Como resultado, a produção naquela indústria tende a expandir. Da mesma forma, quando uma indústria está tendo prejuízos, isso significa que seus fatores de produção estão sendo empregados em linhas de produção que não estão satisfazendo os consumidores adequadamente. Logo, essa indústria está destruindo riqueza. A única solução que lhe resta é deslocar seus fatores de produção para outras linhas de produção que possam produzir algo mais em sintonia com o real desejo dos consumidores.
Há ilimitadas maneiras de as empresas combinarem seus fatores de produção de modo a produzir um igualmente ilimitado arranjo de bens. Felizmente, o mercado faz com que as empresas não tenham de tatear no escuro, sem saber quais dessas trilhões de decisões devem ser tomadas.
Se o processo de produção implantado por elas utiliza um determinado insumo que está sendo mais urgentemente demandado em outra linha de produção, esse insumo lhes custará mais caro, o que as obrigará a encontrar um substituto. Se elas produzirem algo em excesso, os prejuízos resultantes irão induzi-las a produzir menos, o que irá liberar recursos para a produção de algum outro bem que os consumidores estejam desejando mais urgentemente. A todo o momento, os recursos estão sendo direcionados - de acordo com os desejos dos consumidores - para aqueles processos de produção em que eles são mais urgentemente demandados.
Portanto, não, os mercados não sabem "exatamente o que fazer e quando fazer" - uma caricatura infantil. Porém, as respostas fornecidas pelos consumidores, que com suas decisões escolhem o que consumir e o que não consumir, estão constantemente levando os mercados a uma utilização mais eficiente dos recursos limitados.
O governo, por outro lado, não tem uma base racional para determinar o que produzir, em quais quantidades, com quais métodos, e daí por diante. Ele não adquire seu dinheiro fornecendo algum bem que as pessoas voluntariamente escolhem comprar; ele adquire seu dinheiro simplesmente confiscando os fundos de sua população vassala.
Dado que o governo não precisa seguir as respostas fornecidas pelo mecanismo de lucros e prejuízos, cada decisão que ele toma sobre algum processo de produção é inteiramente arbitrária, e necessariamente implica o desperdício de recursos. Ele opera completamente no escuro. Ele não pode se ajustar às demandas do consumidor, uma vez que não há como o governo calcular qual a melhor e menos esbanjadora maneira de produzir. Mais do que isso, ele nem mesmo pode saber o que produzir.
iCheSmall.jpgO livre mercado não é uma entidade sem emoção e que sabe de tudo. Ele é controlado por humanos suscetíveis à ganância, à corrupção e à exploração. O livre mercado é tão puro quanto os falíveis seres humanos que o controlam.
Como vimos, o livre mercado é apenas uma matriz de trocas. Portanto, ninguém em seu perfeito juízo o descreveria como algum tipo de "entidade", seja ela "sem emoção", "que sabe de tudo" ou "amarela com pontinhos roxos".
Vamos lidar com a questão da "corrupção" e da "exploração" mais abaixo. Mas no que tange a encantadora devoção de Che ao governo, ele parece não considerar que seus próprios funcionários podem estar suscetíveis à ganância, à corrupção e à exploração. Mais adiante ele sugere que os políticos corruptos podem simplesmente ser retirados de seus cargos por meio do voto (Ei, Che, na sua opinião, como essa ideia vem funcionando até agora?). Ele não considera a possibilidade de que as empresas que não produzem aquilo que os consumidores querem podem, da mesma forma, ser democraticamente iCheSmall.jpgretiradas da economia - bastando para tal que os consumidores se abstenham de comprar seus produtos.
Se os princípios de livre mercado pudessem atuar desimpedidamente, como Schiff preconiza, o que ocorreria é que tudo seria baseado na maximização do lucro.
Nesse ponto todos nós supostamente deveríamos arregalar os olhos, aterrorizados com tal panorama. Afinal, tanto Michael Moore quanto nosso professor da sétima série já nos alertaram para a perversidade dos "lucros". De fato, o que mais há para ser dito?
Porém, como vimos acima, o lucro é simplesmente a maneira de a sociedade aprovar as decisões de produção adotadas por uma empresa. O lucro indica aquilo que os consumidores querem, bem como - por meio do processo de imputação [teoria que diz que os preços dos fatores são determinados pelos preços dos produtos] - o melhor processo para se produzir tal bem ou serviço.
Os lucros atraem mais investimentos para uma dada linha de produção. Isso vai levar a um aumento dos bens produzidos. Tal processo vai continuar ocorrendo até que esse aumento da oferta de bens naquela indústria acabe por trazer a taxa de retorno de volta ao nível existente em outros setores da economia. É assim que garantimos que nossos limitados recursos não serão desperdiçados, e que os bens mais urgentemente desejados serão produzidos.
Na ausência do lucro como força motriz, como exatamente Che gostaria de ver os recursos sendo alocados? Podemos ou permitir que as preferências dos consumidores guiem a produção, ou deixar que as preferências pessoais de um monopolista (ou seja, o governo) determinem o que deve ser produzido e como. Quando a questão é colocada dessa forma, a escolha torna-se muito clara - e é exatamente por isso que a questão nunca é formulada dessa maneira.
Só de curiosidade, será que Che preferiria basear as decisões econômicas na maximização dos prejuízos? Será que tal arranjo seria melhor?
iCheSmall.jpgSurgem dois grandes subprodutos quando o único interesse de uma economia é o lucro.
1. A qualidade diminui porque as arestas precisam ser aparadas a fim de se poupar dinheiro e poder competir (veja a China)
Che, pense nisso por um minuto. Suponha que você tenha uma economia na qual o lucro não desempenhasse absolutamente nenhuma função. A qualidade aumentaria nesse caso? Será que desfrutaríamos de produtos de qualidade crescente caso as empresas não tivessem de satisfazer o público consumidor (que é o que 'obter lucros' significa) para poderem continuar operando no mercado?
Você não acha que se as empresas fossem liberadas da necessidade de obter lucros elas se tornariam preguiçosas ou indiferentes às demandas do consumidor? Você acha que elas trabalhariam horas extras para fazer produtos de alta qualidade apenas pelo bem da humanidade, ou da pátria-mãe ou de qualquer outra abstração que o regime viesse a inventar?
Se os consumidores querem mercadorias de alta qualidade, os produtores irão competir entre si para atendê-los. Se todas as empresas estiverem produzindo porcarias de baixa qualidade, haverá aí uma enorme oportunidade de lucro à espera daquele que entrar no mercado e simplesmente melhorar a qualidade do produto. Você não crê que essas diabólicas corporações iriam agarrar essa chance de lucro? Por que, em seu imaginativo cenário, esses personagens perversos, maliciosos e gananciosos repentinamente perdem sua motivação de obter lucros?
Você dirá que os consumidores não pagariam preços mais altos por mercadorias de qualidade. Mas de onde vem tão arbitrária declaração? Se eles não vão pagar os preços mais altos, então isso significa que eles estão satisfeitos com o atual nível de qualidade, e que o dinheiro que eles poderiam gastar com esses produtos aperfeiçoados será, na visão deles, melhor utilizado caso seja gasto em outras coisas - em produtos básicos e sem luxo, por exemplo.
Você, Che, não está em posição de julgar a decisão deles. Se os consumidores estão dispostos a pagar preços mais altos, então empresas mais sofisticadas irão atender aos anseios deles - e caso você faça um mínimo de esforço e consiga olhar ao seu redor, verá que é exatamente assim que a economia de um país minimamente livre funciona.
Afinal, não há um limite para a potencial qualidade das mercadorias. Por exemplo, uma pessoa pode comprar uma casa toda feita de ouro. Mas isso não significa que todas as outras pessoas que não querem viver em uma choça de palha só irão se contentar com moradias banhadas a ouro. Há inúmeras possibilidades para um meio termo. Não há uma maneira - que não seja totalitária - de decidir qual deve ser a proporção entre qualidade e acessibilidade que as pessoas podem escolher. Apenas os gastos voluntários praticados pelos consumidores, bem como as decisões de produção baseadas nesses gastos, podem fazer essa decisão.
De qualquer forma, mais uma vez tudo o que precisamos fazer é olhar ao redor para encontrarmos a refutação para essa estranha afirmação de Che. Os automóveis de hoje são de pior qualidade do que eram em, digamos, 1977? Será que alguém hoje se disporia a trocar seu Blu-ray por um videocassete de 1981? Eu poderia acrescentar que o Blu-ray também custa um pouquinho menos, em termos reais, do que o videocassete custava em 1981. Acredito em você quando diz que há algo de perverso em tudo isso, Che, mas eu simplesmente não consigo ver.
iCheSmall.jpg2. Os salários diminuem, pois a ânsia de lucro da parte dos empregadores coloca os trabalhadores em luta entre si. Por exemplo, se não houver regulamentações trabalhistas, eu posso pagar significativamente menos a uma mulher para ela fazer o mesmo trabalho de um homem. Isso força os salários para baixo, pois agora um homem terá de aceitar um salário menor caso ele queira um emprego.
É por isso que aqueles que não entendem de química não escrevem sobre química, e os não botânicos ficam longe da botânica. Nesse ponto, nosso autor está simplesmente criando coisas.
Uma enormidade poderia ser dita aqui, inclusive o fato óbvio de que, embora os trabalhadores realmente compitam entre si (assim como o fazem todos os fatores de produção), os empregadores têm de competir pelos trabalhadores, assim como eles têm de competir pelo aço ou por qualquer outro insumo. Porém, para uma simples réplica à alegação de que sob condições concorrenciais os salários vão cair, façamos a seguinte pergunta: isso de fato ocorreu?
Nos EUA, por exemplo, durante o século XIX, sem que houvesse nenhuma das instituições que Che acredita serem indispensáveis para fazer os salários subirem, os salários reais quadruplicaram. Isso não poderia ter acontecido, de acordo com ele - a concorrência entre os trabalhadores deveria ter derrubado os salários. Mas em quem você vai acreditar, em Che ou em seus próprios olhos?
Mas agora prossigamos para a segunda afirmação: em um livre mercado, Che poderia pagar a uma mulher menos do que a um homem, o que significa que consequentemente os homens teriam de aceitar salários mais baixos.
Não me surpreende que Che creia que os salários são determinados pelos caprichos arbitrários dos empregadores - este é, afinal, o pensamento convencional que perpassa o público em geral, e seria inimaginável se afastar dele. Evidentemente, devemos nos apegar incontestavelmente a tudo aquilo que nosso professor de ciências sociais nos ensinou.
Mas, se em um genuíno livre mercado as empresas podem arbitrariamente diminuir os salários das mulheres, política essa que logo depois inevitavelmente se estenderia aos homens, por que então elas não diminuem os salários de ambos hoje mesmo? A legislação que impõe igualdade de pagamento para ambos os sexos não diz nada sobre a diminuição dos salários; portanto, por que os empregadores não vão adiante e utilizam seus poderes mágicos para reduzir os salários agora mesmo? Por que eles deveriam esperar que a legislação de igualdade de pagamento seja repelida para só então seguir o convoluto caminho de Che (primeiro diminuir os salários da mulheres e então obrigar os homens a também aceitar os salários mais baixos?)
A resposta óbvia é que os salários não são arbitrários. Se as empresas tentassem fazer aquilo que Che propõe, o resultado não seria a redução dos salários dos homens. A disputa pela mão-de-obra iria inevitavelmente voltar a elevar os salários das mulheres.[1]
Não há razão em fingir que o nível de pagamento que os trabalhadores usufruem atualmente tem alguma coisa a ver com o salário mínimo ou com os sindicatos; a vasta maioria dos americanos, por exemplo, ganha bem acima do salário mínimo, e os sindicatos sempre foram um fator negligenciável nos EUA. Por toda a história, os salários dos trabalhadores americanos sempre superaram os salários dos países europeus, muito mais fortemente sindicalizados. Che não consegue explicar nada disso; segundo sua lógica, todos deveriam estar ganhando salário mínimo.
Também, completamente negligenciada na análise de Che está a tendência de os salários reais aumentarem no livre mercado.
Como ocorre esse processo? Quando as empresas aumentam e melhoram os equipamentos e maquinários à disposição dos trabalhadores, sua mão-de-obra torna-se mais produtiva. Imagine uma pessoa utilizando suas próprias mãos para empilhar paletas ao invés de uma empilhadeira; ou produzindo livros com uma impressora do século XVI ao invés de equipamentos mais modernos. A quantidade de produção da qual a economia é capaz é dessa forma aumentada, de maneira quase sempre acentuada, e esse aumento na produção pressiona para baixo os preços dos bens de consumo (em relação aos salários).
Contudo, não há nada de natural ou de inevitável quanto à disponibilidade desses bens de capital capazes de intensificar a produção. Eles não caem do céu. Eles advêm da decisão dos perversos capitalistas de se absterem do consumo. Ao se absterem do consumo (pouparem), eles estão liberando capital para outras atividades. E é essa realocação dos recursos não consumidos que será transformada em investimentos em bens de capital.
Esse processo é a única maneira de possibilitar um aumento geral do padrão de vida. Apenas dessa maneira pode o trabalhador comum aumentar sua produtividade. Como conseqüência, apenas dessa maneira pode ele ser capaz de consumir mais daquilo que ele está acostumado a consumir. Pois o aumento da produtividade da mão-de-obra, possibilitada pelo capital adicional, reduz os preços dos produtos em relação aos salários. Como? Ao se aumentar a quantidade de bens produzidos, passa a haver uma maior quantidade de bens de consumo em relação à oferta de mão-de-obra. Colocando de maneira mais simples, melhorias no processo de produção que levem a um aumento da oferta de produtos tornam esses produtos mais baratos e mais fáceis de serem adquiridos pelas pessoas.
É por isso que, para se ganhar o dinheiro necessário para a aquisição de uma grande variedade de bens, são necessárias hoje menos horas de trabalho do que eram no passado. Graças aos investimentos em bens de capital, que é o que as empresas fazem quando seus lucros não lhes são confiscados (para delírio de pessoas como nosso amigo Che), as economias de hoje são muito mais fisicamente produtivas do que costumavam ser, e, como consequência, os bens de consumo existem hoje em uma abundância muito maior e são correspondentemente menos caros do que antes.
Em 1950, por exemplo, um americano tinha de trabalhar seis minutos para ganhar o dinheiro suficiente para uma unidade de pão; em 1999, esse tempo havia caído para três minutos e meio. Para poder comprar uma dúzia de laranjas em 1950, eram necessários 21 minutos de trabalho. Em 1999, esse tempo já havia caído para 9 minutos. Pagar por 100 quilowatts de eletricidade requeria duas horas de trabalho em 1950, mas apenas 14 minutos em 1999. Uma pessoa, no ano de 1900, teria de trabalhar nove horas para comprar uma calça jeans. Em 1950, esse tempo havia caído para quatro horas; e em 1999, para três horas. Para um frango de 1,4 kg, eram 160 minutos em 1900, 71 em 1950 e 24 em 1999.[2]
Quando Che quer tributar as empresas, como você pode ter certeza de que ele quer, ele está defendendo a sabotagem aberta do processo que permite aumentar o poder de compra de todos os indivíduos de uma sociedade. As sociedades mais industrializadas de hoje seriam muito mais ricas caso as alíquotas mais altas de seus respectivos impostos de renda tivessem sido menores ao longo de todo o século XX.
Caso os governos não tivessem confiscado tantos recursos para em seguida desperdiçá-los em gastos de consumo, esses recursos estariam livres para investimentos que teriam tornado as economias permanentemente capazes de produzir mais riquezas do que as atuais. Como resultado, o padrão de vida de todos seria hoje muito maior.
iCheSmall.jpgSe não há regulação das "forças de mercado" pelo governo, você essencialmente coloca o poder nas mãos de executivos que não têm de prestar contas a ninguém, exceto a seus acionistas. E para manter os acionistas satisfeitos, o lucro deve ser maximizado por qualquer método possível. Se isso significar exploração e corrupção, então que assim seja.
Como "exploração" e "corrupção" não foram definidos, não há como saber do que Che está falando. Por "exploração" ele presumivelmente está se referindo à teoria marxista de que uma concorrência intensificada leva a menores salários, uma besteira que já abordamos.
Por "corrupção" ele pode ter querido dizer uma de duas coisas. Ele pode estar se referindo ao uso da fraude, do roubo ou de alguma outra violação da lei. Se esse é o caso, então ele não mais está falando do mercado livre e desimpedido, que pune comportamentos criminosos e antimercados como esses. Portanto, seu comentário seria irrelevante. Se alguém viola a lei, ele deve ser punido. Se esse alguém é culpado, mas não é punido, isso dificilmente seria culpa do mercado - afinal, quem monopoliza a oferta de tribunais e de serviços policiais? (Vou lhe dar uma dica: não é o livre mercado).
Ele pode também estar se referindo ao uso de lobistas para se conseguir privilégios especiais do governo, ou para prejudicar os concorrentes. Mais uma vez, ele não está realmente criticando o livre mercado, ainda que pense estar. Nesse caso sua crítica não cabe ao livre mercado, mas sim ao próprio governo.
O livre mercado não possui nenhum mecanismo de coerção capaz de conceder privilégios especiais a algum grupo. Apenas o governo tem o poder de iniciar coerção. Você quer que haja uma única e monopolística instituição dotada de plenos poderes para organizar a sociedade da maneira que mais a apeteça, e depois fica surpreso quando ela passa a ser dominada por forças antissociais e iCheSmall.jpganticoncorrenciais?
Se permitissem que as regulamentações governamentais controlassem uma economia, aqueles que instalarem as regulamentações podem ser responsabilizados caso as regulamentações sejam muito intrusivas.
Peguemos novamente o exemplo dos EUA. Existe um calhamaço chamado Code of Federal Regulations, que lista todas as regras e regulamentações vigentes no país. A cada ano, esse registro federal acrescenta mais de 70.000 páginas de detalhadas regulamentações federais. Pela lógica, se apenas uma dessas páginas fosse eliminada, todos os americanos morreriam instantaneamente. Afinal, as regulamentações foram criadas para mantê-los a salvo! De acordo com Che, nenhuma dessas regulamentações pode ser considerada "muito intrusiva" - pois se fosse, certamente ela já teria sido revogada!
Isso me lembra de uma aluna que tive certa vez e que, ao descobrir que o Job Corps [programa de treinamento vocacional e educacional administrado pelo governo americano] era um completo e absoluto fracasso sob todos os parâmetros imagináveis, inocentemente perguntou por que ele não havia sido revogado. Eu não culpo a aluna - com essa pergunta ela estava começando a descobrir as coisas pela primeira vez. Já Che gerencia um blog sem jamais fazer uma única pergunta atípica.
No mundo de Che, toda a literatura sobre a "captura" de agências reguladoras, que descreve como as indústrias e as grandes empresas influenciam as regulamentações para benefício próprio, não existe. A regulação está ali unicamente para o bem público.
Na caricatura típica, se você defende o livre mercado, então você defende a poluição e várias outras formas de invasão de propriedade. Mas a realidade, obviamente, é oposta. Alguém que acredita no livre mercado se opõe a essas coisas porque elas danificam a propriedade alheia sem o consentimento de seus donos. Isso não significa que a única solução é a "regulamentação". Eis um aqui uma maneira genuinamente pró-livre mercado de se pensar nessas questões.
Che também pode estar se referindo às regulamentações dos mercados financeiro e bancário, as quais são bastante rígidas, não obstante toda aquela conversa sobre "desregulamentação". A desregulamentação é quase sempre falsa, como quando as instituições financeiras são autorizadas a fazer apostas arriscadas ao mesmo tempo em que o governo segue garantindo seus depósitos.
Reclamações sobre falta de regulamentação também são irrelevantes. Se você tem um castelo de cartas desmoronando, você não precisa de cola ou fita adesiva - o equivalente a "mais regulação". Você precisa é de uma casa nova, construída sobre fundações solidas. Em outras palavras, você precisa de um sistema monetário rígido que não possa ser manipulado por governos ou por seus bancos centrais. Essa opção não existe no mundo de Che, já que em seu mundo o sistema existente já é um de livre mercado.
Ademais, os atuais reguladores não viram nada de errado com a maneira como o modelo de securitização estava funcionando. E, com efeito, várias instituições financeiras estavam de acordo com as várias exigências de capital propostas pelos padrões regulatórios internacionais. O próprio sistema regulatório deu aos bancos incentivos para praticar a securitização de empréstimos, elevando os riscos inerentes a essa prática. Seria a solução acrescentar mais reguladores? Ou será que há algo de errado com o próprio sistema - um sistema em guerra com o livre mercado, um sistema que gera a extrema alavancagem e a enorme instabilidade que periodicamente observamos?
Outra questão óbvia e rotineiramente negligenciada nesse contexto é: por que um regulador sem nenhuma participação financeira em uma empresa saberia melhor como satisfazer a demanda dos consumidores do que um legítimo proprietário empreendedor cuja riqueza depende de seus acertos? Quão supersticioso você precisa ser para acreditar nisso?
Entretanto, comentaristas ignorantes que clamam por mais regulação atribuem poderes mágicos a pessoas que, no mundo real, são indignas desses encarecimentos. Como Robert Higgs explicou, "Tivessem eles sido agraciados com maiores poderes, orçamentos e equipes, qual feitiçaria iria transformar os reguladores em defensores obstinados e sagazes do interesse público, ao invés dos parasitas servis e protetores das empresas reguladas que eles sempre foram?"
Quantos formandos de faculdades de administração ou de outras áreas ambicionam se tornar reguladores? Vamos colocar as coisas de forma generosa e apenas observar que são os mais lentos que acabam indo para as agências reguladoras, e são os mais brilhantes que acabam se tornando empreendedores de sucesso. É de se esperar que um sujeito que se formou na posição #505 de uma turma com 508 pessoas tenha seus cadarços amarrados por um sujeito que se formou em #12?
Por último, o livre mercado não injeta dinheiro e derruba as taxas de juros a níveis que promovem bolhas insustentáveis. Sem um Fed, não teria havido uma bolha imobiliária. E sem essa bolha, não haveria o atual colapso. O livre mercado pune os tomadores de risco imprudentes, ao passo que o governo os socorre (algo que, por sua vez, os encoraja a assumir riscos maiores no futuro). Foi do Fed, e não do livre mercado, que emergiu a "Doutrina Greenspan" - a promessa implícita de sempre socorrer os grandes players de Wall Street. O Financial Times alertou que essas garantias estavam estimulando investimentos perigosamente arriscados.
O livre mercado não proporciona tais garantias, o que consequentemente cultiva uma classe mais iCheSmall.jpgcuidadosa e sensata de empreendedores. Será que há alguma lição aqui?
Responsabilizar o governo por suas ações chama-se Democracia.
Responsabilizar um presidente de empresa por suas ações chama-se impossível.
Difícil algum outro raciocínio superar esse em termos de comicidade involuntária. Che absorveu toda a propaganda que lhe foi infundida na escola sem um pingo de pensamento independente. Nossos sábios servidores públicos estão genuinamente preocupados com o bem comum, e qualquer coisa que eles porventura venham a fazer contra os interesses do povo são aberrações desafortunadas - uma mera "corrupção" que pode ser punida na próxima eleição. Afinal, o nosso sistema político democrático mantém o governo subordinado ao povo!
O Banco Central, que desfruta de um monopólio dado pelo governo sobre a criação de papel-moeda de curso forçado, criou as condições que geraram a atual crise econômica. (Apresentei alguns dos contornos teóricos aqui). Alguém foi "responsabilizado" por isso? Aliás, quem no governo americano foi responsabilizado por qualquer coisa relacionada à crise financeira?
Você está nos dizendo que os pacotes de socorro do governo foram um exemplo de virtuoso espírito público ao invés de um explícito "presentinho" dado para os amigos e aliados do regime? Os socorros, na realidade, foram um exemplo de intervenção estatal com o intuito de impedir que o livre mercado responsabilizasse e punisse os executivos incautos.
Quer manter um executivo ou presidente de empresa subordinado a você? Pare de comprar seus produtos. Agora me diga: como eu paro de comprar os "produtos" do governo? Ah, sim, eu havia me esquecido, eu não os compro - o dinheiro para financiá-los é confiscado de mim.
Existe um mercado para o controle das corporações, diga-se de passagem. Porém, as mesmas pessoas que reclamam ruidosamente sobre executivos subordinados a nada e a ninguém, tendem a ser as que mais se opõem e mais criam barreiras contra as aquisições corporativas. Aqui, mais uma vez, temos o governo impedindo o mercado de fazer suas tentativas de corrigir as más alocações de recursos.
Agora, você pode dizer que estou sendo muito duro com Che. O pobre garoto está apenas repetindo o que aprendeu no ensino fundamental. Como posso culpá-lo? É esse tipo de propaganda que ensinam às crianças, e não podemos criticar Che por estar simplesmente repetindo tudo aquilo que seu professor falou.
Eu o culpo apenas por ser tão incorrigivelmente apático e desinteressado. Os garotos mais perspicazes são capazes de perceber que estão sendo alimentados pelo tipo mais grosseiro e óbvio de propaganda, a qual é esquematizada para torná-los pequenos servos obedientes a seus senhores supremos, que alegam estar protegendo-os daqueles maléficos exploradores sobre os quais eles lêem em seus livros-texto. Os garotos perspicazes vão em busca da verdade e descobrem que os reais exploradores são os próprios senhores supremos, parasitas da economia produtiva, e que vivem dos frutos do trabalho alheio ao mesmo tempo em que dizem que os resultantes malefícios sociais são culpa dos vários espantalhos que as crianças foram ensinadas a odiar.
Os garotos mais lentos, em contraste, apenas se limitam a memorizar toda a logorréia vomitada por seus professores, a transcrever roboticamente tudo em suas provas e a repetir monotonamente todas essas parvoíces pelo resto de suas vidas.
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[1] A precificação dos fatores no mercado, inclusive de fatores originais como mão-de-obra, ocorre por meio de imputação reversa: da valoração que os consumidores fazem do produto final. A teoria da produção é coberta por Murray Rothbard em Man, Economy, and State: A Treatise on Economic Principles (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1993 [1962]), caps. 5-9. Os vários mitos sobre a desigualdade do poder de barganha da mão-de-obra e sobre a importância dos sindicatos para o bem-estar material dos trabalhadores são discutidos em meu livro The Church and the Market (Lanham, Md.: Lexington, 2005), pp. 73-78.
[2] Michael Cox and Richard Alm, Myths of Rich and Poor (New York: Basic Books, 1999), p. 43.