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quinta-feira, 24 de março de 2011

Nossa tragédia ambiental silenciosa de todos os dias


Fonte: 

Outro dia estava lendo uma matéria de um jornal da Paraíba que dizia que 17% dos domicílios do Estado nem sequer tinham um banheiro para que as pessoas pudessem "fazer suas necessidades". Segundo a nota, são quase 180 mil paraibanos, brasileiros, despejando suas fezes e urina a céu aberto. Uma situação que, apesar de grotesca, é realidade comum para outros 13 milhões de cidadãos deste país.
Isso me lembrou do texto do escritor Mario Vargas Llosa que afirmava que a privada deveria ser eleita como ícone da civilização e do progresso, em vez do telefone ou da internet. Junto-me ao time do escritor de que ter ou não banheiro, por mais absurdo que pareça, ainda significa um divisor no mundo, uma autêntica parede desumana dividindo a dignidade entre mundo e submundo, os com e os sem acesso a esse "luxo".
Vivemos um desastre ambiental diário e silencioso. Como menos de 44% da população está ligada a uma rede de esgotos e menos de 30% desse esgoto é tratado, segundo dados do Ministério das Cidades - Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2008 -, são bilhões e bilhões de litros de resíduos jogados in natura todos os dias nos nossos rios, lagos, bacias e mar. Um poderosíssimo veículo transmissor de doenças, como mostrado pelo Instituto Trata Brasil em seu último estudo Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População, realizado com dados das 81 maiores cidades do País (acima de 300 mil habitantes). Pelos números levantados, as diarréias respondem atualmente por mais de 50% das doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado, e em 2008 as dez piores cidades em taxas de internação por diarréias responderam por 38% das hospitalizações por esse tipo de doença, mesmo sua população respondendo por apenas 9% do público pesquisado. E o pior de tudo, os resultados comprovam que o grupo mais vulnerável dessa tragédia são as crianças de até 5 anos de idade. Em 2008, foram 67,3 mil crianças dessa faixa etária internadas por diarréias, número que representou 61% de todas essas hospitalizações.
E, para mostrar que isso não é exclusivo daqueles que moram em áreas menos favorecidas, vale lembrar que, somente em janeiro deste este ano, na Baixada Santista, em São Paulo, foram mais de 8.700 casos de diarréia, muito disso fruto das fortes chuvas que alagam as redes de esgoto, "democratizando" a doença pelas cidades e praias.
Por essas e outras tragédias silenciosas que convivem conosco, o último Ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado em novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostrou o Brasil apenas na posição 73, entre os 169 países avaliados. Como o novo cálculo do IDH considera, entre outras coisas, os "anos esperados de escolaridade" e a "renda nacional bruta", os especialistas são unânimes em dizer que um país só avançará no IDH se progredir simultaneamente nas três dimensões avaliadas - saúde, educação e renda. Como não poderia deixar de ser, a falta de coleta e tratamento dos esgotos afeta negativamente todos os três fatores, portanto ajudam a manter o Brasil longe dos melhores países em desenvolvimento humano.
O lançamento dos esgotos sem tratamento na natureza é um atentado ao cidadão, que ocorre 24 horas por dia, 365 dias por ano. Os esgotos representam hoje o maior impacto ambiental às águas do País, principalmente nas grandes regiões metropolitanas. Não temos como falar em cidades sustentáveis ou "sustentabilidade", enquanto nossos cursos d"água forem vítimas da falta dos serviços de coleta e tratamento dos esgotos, legítimo fruto do descaso e falta de prioridade política das autoridades nas últimas décadas.
A solução para este desastre sem charme passa por todos os elos do governo, mas, sobretudo pela vontade dos prefeitos, responsáveis pela solução do problema, segundo a lei que rege o saneamento. Ele pode constituir sua própria empresa municipal ou conceder o serviço a uma empresa estadual ou privada, fazer uma parceria público-privada ou um sistema misto - solução existe. Mas sua responsabilidade não para por aí... Ele deve, por força da lei do saneamento, priorizar também a formulação do Plano Municipal de Saneamento Básico de seu município, sem o qual não poderá mais acessar os recursos federais. Cabe à autoridade local, portanto, vários desafios, mas principalmente o de olhar cuidadosamente a gestão dos serviços prestados à sua cidade, garantindo que se persiga a redução das perdas de água, a transparência da informação à população, o cumprimento das metas e a aplicação de tarifas adequadas à realidade local.
Tanto quanto aos prefeitos, cabe ao governo federal - que acertou na criação do Ministério das Cidades e na Secretaria Nacional de Saneamento Básico - e aos governadores zelar pela melhoria urgente da gestão das empresas que operam o saneamento no País. Não é suficiente, portanto, o governo federal acenar com os vultosos recursos do PAC, porque está mais do que prova do que, com os gargalos e as burocracias que enfrenta o setor, esses recursos chegam em doses homeopáticas e, a continuar assim, serão incapazes de cobrir o gigante déficit que atinge o setor nas próximas décadas.
Cabe a todos nós o papel de reivindicadores ferozes da solução deste quadro incompatível com o Brasil que se apresenta hoje no mundo. Cabe aqui, também, um chamado urgente às entidades ambientalistas e aos profissionais da saúde de todo o Brasil, para que discutam urgentemente essa tragédia nacional em seus círculos de contato, porque, diferentemente dos temas que afetarão nosso futuro, os esgotos estão nos contaminando hoje, agora... poluindo nossas águas e adoecendo nossas crianças.
Fonte: O Estado de São Paulo,
Por Édison Carlos, Presidente Executivo- Instituto Trata Brasil.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sociedade justa

Fonte: http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/11911-sociedade-justa.html



Os atributos de justiça e injustiça só se aplicam aos entes reais capazes de agir. Um ser humano pode agir, uma empresa pode agir, um grupo político pode agir, mas "a sociedade", como um todo, não pode.

Outro dia perguntaram qual o meu conceito de uma sociedade justa (http://www.youtube.com/watch?v=SyZitdZuJg0). A palavra "conceito" entrava aí com um sentido antes americano e pragmatista do que greco-latino. Em vez de designar apenas a fórmula verbal de uma essência ou ente, significava o esquema mental de um plano a ser realizado. Nesse sentido, evidentemente, eu não tinha conceito nenhum de sociedade justa, pois, persuadido de que não cabe a mim trazer ao mundo tão maravilhosa coisa, também não me parecia ocupação proveitosa ficar inventando planos que não tencionava realizar.

O que estava ao meu alcance, em vez disso, era apenas analisar a ideia mesma de "sociedade justa" - o seu conceito no sentido greco-latino do termo - para ver se fazia sentido e se tinha alguma serventia. Desde logo, os atributos de justiça e injustiça só se aplicam aos entes reais capazes de agir. Um ser humano pode agir, uma empresa pode agir, um grupo político pode agir, mas "a sociedade", como um todo, não pode.
Toda ação subentende a unidade da intenção que a determina, e nenhuma sociedade chega a ter jamais uma unidade de intenções que justifique apontá-la como sujeito concreto de uma ação determinada. A sociedade, como tal, não é um agente: é o terreno, a moldura onde as ações de milhares de agentes, movidos por intenções diversas, produzem resultados que não correspondem integralmente nem mesmo às intenções deles, quanto mais às de um ente genérico chamado "a sociedade"!
"Sociedade justa" não é, portanto, um conceito descritivo. É uma figura de linguagem, uma metonímia. Por isso mesmo, tem necessariamente uma multiplicidade de sentidos que se superpõem e se mesclam numa confusão indeslindável, que basta para explicar por que os maiores crimes e injustiças do mundo foram praticados, precisamente, em nome da "sociedade justa".
Quando você adota como meta das suas ações uma figura de linguagem imaginando que é um conceito, isto é, quando você se propõe realizar uma coisa que não consegue nem mesmo definir, é fatal que acabe realizando algo de totalmente diverso do que imaginava. Quando isso acontece há choro e ranger de dentes, mas quase sempre o autor da encrenca se esquiva de arcar com suas culpas, apegando-se com tenacidade de caranguejo a uma alegação de boas intenções que, justamente por não corresponderem a nenhuma realidade identificável, são o melhor analgésico para as consciências pouco exigentes.
Se a sociedade, em si, não pode ser justa ou injusta, toda sociedade abrange uma variedade de agentes conscientes que, estes sim, podem praticar ações justas ou injustas. Se algum significado substantivo pode ter a expressão "sociedade justa", é o de uma sociedade onde os diversos agentes têm meios e disposição para ajudar uns aos outros a evitar atos injustos ou a repará-los quando não puderam ser evitados.
Sociedade justa, no fim das contas, significa apenas uma sociedade onde a luta pela justiça é possível. "Meios" quer dizer: poder. Poder legal, decerto, mas não só isso: se você não tem meios econômicos, políticos e culturais de fazer valer a justiça, pouco adianta a lei estar do seu lado.
Para haver aquele mínimo de justiça sem o qual a expressão "sociedade justa" seria apenas um belo adorno de crimes nefandos, é preciso que haja uma certa variedade e abundância de meios de poder espalhados pela população em vez de concentrados nas mãos de uma elite iluminada ou sortuda. Porém, se a população mesma não é capaz de criar esses meios e, em vez disso, confia num grupo revolucionário que promete tomá-los de seus atuais detentores e distribuí-los democraticamente, aí é que o reino da injustiça se instala de uma vez por todas.
Para distribuir poderes, é preciso primeiro possuí-los: o futuro distribuidor de poderes tem de tornar-se, antes, o detentor monopolístico de todo o poder. E mesmo que depois venha a tentar cumprir sua promessa, a mera condição de distribuidor de poderes continuará fazendo dele, cada vez mais, o senhor absoluto do poder supremo.
Poderes, meios de agir, não podem ser tomados, nem dados, nem emprestados: têm de ser criados. Caso contrário, não são poderes: são símbolos de poder, usados para mascarar a falta de poder efetivo. Quem não tem o poder de criar meios de poder será sempre, na melhor das hipóteses, o escravo do doador ou distribuidor.
Na medida em que a expressão "sociedade justa" pode se transmutar de figura de linguagem em conceito descritivo viável, torna-se claro que uma realidade correspondente a esse conceito só pode existir como obra de um povo dotado de iniciativa e criatividade - um povo cujos atos e empreendimentos sejam variados, inéditos e criativos o bastante para que não possam ser controlados por nenhuma elite, seja de oligarcas acomodados, seja de revolucionários ávidos de poder.
Aquele que deseja sinceramente libertar o seu povo do jugo de uma elite mandante não promete jamais tomar o poder dessa elite para distribuí-lo ao povo: trata, em vez disso, de liberar as forças criativas latentes no espírito do povo, para que este aprenda a gerar seus próprios meios de poder - muitos, variados e imprevisíveis - minando e diminuindo os planos da elite - de qualquer elite - antes que esta possa sequer compreender o que se passou.


P.S - Para os interessados, já está online a primeira rodada do meu debate com o Prof. Alexander Duguin, estrategista-mor do governo russo. O endereço é: http://debateolavodugin.blogspot.com/2011_03_01_archive.html.

terça-feira, 1 de março de 2011