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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Brasil de mentira das telenovelas

Fonte: https://www.midiaamais.com.br/brasil/6982-o-brasil-de-mentira-das-telenovelas

por Felipe Atxa em 16 de setembro de 2011


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Novelas brasileiras: retratando tudo, menos a realidade nacional

Se é fato que a dramaturgia de TV está para a dramaturgia audiovisual em geral assim como a lista de compras de supermercado está para a literatura, nada impede seus autores de querer “discutir” problemas sociais e aspectos observados da realidade. A crônica da telenovela é um recurso vivo, presente o tempo todo. Mas é impossível dramatizar a realidade social quando a mesma é substituída por um simulacro inspirado em ideologia e agenda da militância. O Brasil das novelas é outro.

Novelas são vistas por milhões no Brasil. Os temas propostos têm a capacidade de mobilizar discussões e obter relevância jornalística. Todos querem envolver-se nas “polêmicas” das novelas. Polêmica é uma discussão viva, embora muitas vezes formal e vazia. O sentido da vida certamente não é uma “questão polêmica” da maneira como esta é compreendida pela mídia. Polêmica é beijo gay e ménage à trois. No país das novelas, violência e corrupção do Estado – provavelmente os maiores flagelos brasileiros – são questões que simplesmente não existem. Ignorar é solucionar.

Problemas brasileiros, nas telenovelas, compreendem um território bastante restrito. Brasileiros em geral estão envolvidos em conflitos eternos de paternidade e adultério. Ninguém nunca sabe quem é filho de quem realmente. Todos podem ser parentes de todos. Casamentos são insatisfatórios por princípio. Violência urbana? Não existe além de meia dúzia de valentões querendo bater em homossexuais na orla da praia. Não há crimes em geral: invasões, assaltos, estupros, latrocínios. Bandidos? Só aqueles de desenho animado, que riem para a câmera após mais uma elucubração infalível. Desconhecidos entram e saem de casas alheias em clima de absoluta cordialidade. Nas novelas, há viciados em drogas, mas jamais traficantes. O comércio eventual de drogas está, necessariamente, ligado a mais vício e – provavelmente – disfunção familiar.

A cobiça brasileira resume-se ao arrivismo de melodrama e à ganância dos capitalistas. Banqueiros roubam e madames tratam os empregados como escravos. Representantes de minorias não têm defeitos mensuráveis: suas falhas de comportamento estão geralmente relacionadas a excessos virtuosos – amam demais ou fazem sexo como verdadeiros artistas. Sua ruína está, necessariamente, relacionada a sua incapacidade de lidar com as limitações dos outros. “Dão demais” e não são correspondidos.

Não há partidos políticos nas telenovelas, da mesma forma como não há sindicatos corruptos ou “favelas” (substituídas por “comunidades”). As exceções assustam e funcionam como notas dissonantes. Alertam quando alguma coisa está errada: é como se de repente um marciano aterrissasse numa ópera italiana.

O testemunho histórico oscila entre a alegoria e o pastelão. Militares e policiais são torturadores incorrigíveis em novelas ambientadas em qualquer época. E cristãos? Bem, eles praticamente não existem. Quando estão presentes, o fazem em seus formatos desfigurados: o “liberal consciente” e a “beata psicótica e hipócrita”. Não há nada de bom relacionado ao cristianismo. O padre da novela é “gente boa” não pela fé que deveria professar, mas sim porque dá abrigo a terroristas fugitivos, por exemplo, ou está posicionado em conflitos de terra. A mulher religiosa é uma traiçoeira reprimida sexual. Uma maluca com histeria freudiana.

Quer ver a “realidade brasileira” retratada na TV? Ignore as novelas. Esqueça os jornalísticos chapa branca, os canais de “News”, os “jornais nacionais” da vida, clippings coloridos elaborados por publicitários-funcionários-públicos. Concentre-se nos humorísticos e nos reality shows. O impasse da picardia brasileira está todo concentrado, presente e escancarado, em atrações como “Legendários” e “Pânico na TV”. A piscadela “isssperta”, a malícia juvenil, a obsessão por nádegas e fisiologia humana – todo um tratado de duplos sentidos. E não esqueça os big brothers e fazendas. A busca brasileira pela “verdade” está lá. Cinquenta câmeras e ninguém consegue compreender coisa alguma. Tudo gravado, exibido e reprisado, mas as “máscaras não caíram ainda”. Todos duvidam de todos. Quais serão vilões? Quais serão mocinhos? Reality shows brasileiros expressam magistralmente nossa incapacidade crônica de discernimento. Vigiados 24 horas por dia, os participantes ainda assim parecem dotar-se de mistério, de vacuidade. Eles não entendem a si mesmos, aos companheiros, e o público tem “dúvidas”. Espera por uma revelação que não chega. A verdade. A realidade, talvez? Melhor trocar de canal.

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